Entrevista a Dorberto Carvalho, presidente do SATED-SP: “Não recomendamos as atividades presenciais nesse momento”
Em tempos de incerteza sobre o futuro do mercado para artistas e técnicos, a myClappy entrevistou o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (SATED-SP), Dorberto Carvalho, sobre a atual situação do setor, as principais reivindicações do sindicato e o seu plano de ação para os próximos meses.
O presidente do SATED-SP entende "ser precipitado o retorno ao trabalho", neste momento, e acredita que com a pandemia se acentuaram os entraves na realidade dos artistas, que já vêm sofrendo sucessivos “ataques”. “A paralisação das atividades artísticas e culturais por conta da pandemia da COVID-19 surgiu como uma pá de cal sobre as atividades dos artistas e técnicos”, defende.
Dorberto Carvalho, presidente do sindicato desde 2018, fala de um "mercado difícil" que vive numa "guerra cultural". Entre as principais reivindicações que chegam ao sindicato constam, além da “elaboração de protocolos” que assegurem a segurança dos profissionais neste momento de pandemia, o pagamento de cachê-teste para self tapes.
Como o SATED-SP descreve a atual situação do mercado para artistas e técnicos?
Um mercado difícil como qualquer outro mercado de trabalho no Brasil, ainda mais no momento em que cerca de 50% da força de trabalho no país encontra-se inativa, e isso, sem dúvida, reflete-se em muito no setor artístico e cultural.
Assim, considerado esse entrave mais geral da nossa economia, ainda temos algumas especificidades que recaem sobre esse mercado de trabalho: os ataques que o setor tem sofrido desde o governo Temer, com a extinção e retomada do MinC (Ministério da Cultura), e mais recentemente com os ataques desferidos pelo governo Bolsonaro - com o título muito utilizado pelo governo de “guerra cultural”. Daí, a paralisação das atividades artísticas e culturais, por conta da pandemia da COVID-19, surgiu como uma pá de cal sobre as atividades dos artistas e técnicos.
Que questões a pandemia veio aflorar ou criar?
A expressão “fique em casa” que foi imediatamente acolhida por diversos setores da classe média, muitos em condições de realizar trabalho home office, nunca foi uma opção para a maioria das camadas populares, moradores das periferias, seja pela questão econômica seja pelo espaço físico das casas, e o fato é que mortes pela COVID-19 têm penalizado em maior proporção a população pobre e preta.
O transporte público, mesmo com ameaça do Prefeito Bruno Covas ao então Secretário dos Transportes, em nenhum momento conseguiu romper o lobby das empresas de ônibus que há décadas mandam e desmandam na cidade de São Paulo, e mais uma vez, a conta ficou para os moradores das regiões periféricas, expondo, mais uma vez, a face cordial das desigualdades e inércia de boa parte dos gestores públicos.
Esse cenário, marcado pelo recente recorde do número de casos no Estado de São Paulo e recorde do número de mortes na cidade de São Paulo, dá a dimensão da irresponsabilidade do Governo do Estado de São Paulo quando este cede à pressão dos setores econômicos e defende a reabertura, colocando-se na contra-mão de todas as ações bem-sucedidas no combate à pandemia no mundo.
Os artistas e técnicos são trabalhadores como qualquer trabalhador e também sofreram e sofrem com os efeitos da irresponsabilidade dos agentes públicos, e assim estão expostos a todas as consequências, e uma das consequências mais nefastas da pandemia sobre os trabalhadores e trabalhadoras da cultura que vai além da evidente questão financeira é que muitos profissionais têm passado por instabilidades de saúde, acometidos pela depressão e síndrome do pânico.
Que reivindicações têm chegado ao sindicato?
As reivindicações que têm chegado ao SATED-SP nesse momento referem-se, sobretudo, a irregularidades que acontecem no setor audiovisual, tais como o não pagamento de cachê-teste e a utilização de profissionais não qualificados que tiram o trabalho de artistas e técnicos, mas também reivindicações que estão sendo encaminhadas nesse momento tais como: o pagamento do selfie teste e a elaboração de protocolos que garantam minimamente a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras que por algum motivo vão se arriscar em atividades presenciais, mesmo contra a orientação do sindicato que entende ser precipitado o retorno ao trabalho.
Tendo em conta a situação pandêmica e o futuro incerto, quais são, no momento, as principais preocupações do SATED-SP (valor do cachê-teste, protocolos de filmagem, segurança/saúde de artistas e técnicos, regulamentação do setor, Lei Aldir Blanc, etc...)?
A preocupação do SATED-SP é garantir minimamente a regulação do mercado audiovisual para as (os) modelos, atores, atrizes e figurantes. Garantir a readmissão e trabalho digno para os técnicos dos CEUS, condições de isonomia para os técnicos do Theatro Municipal, garantir a aplicação e a continuidade das políticas públicas estruturantes no setor artístico e cultural, mas também, e principalmente, acompanhar a correta aplicação da lei Aldir Blanc nas prefeituras do Estado de São Paulo e garantir que os trabalhadores e trabalhadoras do setor que não foram abrangidos pelo primeiro auxílio emergencial e não serão contemplados pela lei Aldir Blanc por conta de rendimentos tributários superiores a 28.559,70 reais em 2018, sejam atendidos por bolsas prêmio como reconhecimento a esses profissionais.
Qual o posicionamento do sindicato face ao Protocolo de Segurança e Saúde no Trabalho Audiovisual recentemente aprovado? O SATED-SP é a favor dessa retomada? Acreditam estar asseguradas todas as medidas de segurança necessárias mesmo quando o número de casos/mortes por COVID-19 se mantém elevado?
O SATED-SP elaborou e vem elaborando com integrantes da categoria um protocolo para o setor do audiovisual (publicidade) e também está em curso a elaboração de um protocolo para o setor audiovisual (dublagem).
Entendemos que é função do sindicato garantir minimamente segurança para a saúde dos trabalhadores em atividades presenciais e remotas, e mitigar os riscos de contágio, contudo, reiteradas vezes afirmamos que não recomendamos as atividades presenciais nesse momento.
O SATED-SP disponibilizou o e-mail "protocolosanitario@satedsp.org.br" para o esclarecimento de dúvidas sobre este protocolo. É possível enumerar as três principais dúvidas que têm chegado ao sindicato?
Basicamente são perguntas sobre as fases de reabertura, ainda que poucas, porque a imensa maioria da categoria sabe que o SATED-SP não recomenda o retorno ao trabalho, considerando o recente recorde de número de casos no Estado de São Paulo e o número de mortes na cidade de São Paulo.
Muito se fala da não atualização do valor do cachê-teste. O SATED-SP concorda ou não com a atualização do valor? E qual seria, na ótica do sindicato, o valor justo?
Em 2018 realizamos um levantamento para reajuste da inflação no valor de cachê-teste para uma reunião com a APRO-Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais, e chegamos ao valor de cerca de 119 reais, e considerado que já se passaram dois anos, reafirmamos nossa disposição em reajustar o valor do cachê-teste para 120 reais, como forma de reposição das perdas.
Está em processo uma convenção coletiva para acordar pisos e condições salariais para os trabalhadores de publicidade/cinema/audiovisual? Em que pé está este projeto e quando será possível ter novidades sobre o mesmo?
Uma convenção coletiva ou acordo coletivo deve ser regulamentada(o) nesse ano para atendimento de mais de uma década de reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras do setor, e essas reivindicações não são exatamente novidades, porque dizem respeito ao reajuste da tabela de cachês e direito conexos, reajuste para 120 reais do cachê-teste, pagamento do mesmo valor para o selfie teste e regulamentação com restrições da utilização de profissionais não qualificados - conhecidos como “pessoas reais”. Essa deve ser a base para qualquer entendimento com os diversos atores desse mercado.
Os tempos estão difusos e muitas das temáticas ainda estão a ser pensadas e discutidas, porém, é possível traçar um plano de ação do SATED-SP, a médio prazo, talvez?
Falta um pouco mais de um ano para o fim do nosso mandato no SATED-SP e pretendemos entregar o sindicato com todas as contas saneadas, um crescimento significativo do número de sindicalizados e sindicalizadas e uma melhor regulamentação do setor de audiovisual e melhores condições para os técnicos.
Contudo, como todxs sabem, herdamos um sindicato desacreditado e em condições administrativas/financeiras muito precárias. O SATED-SP é um organismo em recuperação e a condição para termos um sindicato forte e atuante não está apenas na mão de uma diretoria, mas é a tarefa de toda a categoria - segundo o IBGE, somos cerca de 43 mil profissionais no Estado de São Paulo.
De que forma seria possível criar meios para minimizar as principais questões que preocupam o sindicato e criar, assim, uma nova consciência no setor?
Não existem milagres nesse caminho e tudo vai se construindo com cada "tijolinho" de luta cotidiana, uma tarefa árdua e, às vezes, cansativa. Não somos super-heróis e a nova consciência do setor não é tarefa de apenas uma diretoria, contudo, temos nos surpreendido muito positivamente com o reconhecimento que a categoria tem tido do seu sindicato, e isso já sinaliza uma nova consciência no setor.
Pretendem entrar em contacto com outros agentes do setor, como, por exemplo, agências, produtores de elenco, casas de produção, etc.? Qual o vosso intuito daqui para a frente?
O SATED-SP está em contato com cerca de 50 agências e produtoras de elenco, que representam mais de 80% do setor no audiovisual, e também buscando entendimentos e diálogos com outros setores com o objetivo de estabelecer uma regulação por meio de um grande acordo coletivo, que garanta melhores condições de trabalho para os profissionais do setor e um bom funcionamento do mercado audiovisual. Seguimos em frente.