Os Primeiros Museus – Gabinetes de Curiosidades
€‹ Ao longo do tempo múltiplas concepções de museus se desenvolveram, dos velhos gabinetes de curiosidade aos museus públicos surgidos no contexto pós-Revolução Francesa, criados para construir a identidade nacional e “iluminar as massas”. É a partir do século XV, houve uma grande transformação humana, consequentemente em suas respectivas atividades. Durante a época das grandes explorações e descobrimentos dos século XVI e século XVII, se colecionavam uma multiplicidade de objetos raros ou estranhos dos três reinos considerados pela biologia na época: animalia, vegetalia e mineralia, além daqueles que eram produtos do trabalho humano. Apareceram desta forma, durante o Renascimento na Europa, as grandes coleções, reunidas desde os séculos passados, e constituídas pelas mais variadas peças, surgindo os chamados, os Gabinetes de Curiosidades, marcando assim o início de uma compreensão mais científica do mundo.
Pomian, no texto “La culture de la Curiosité”, conta que existiram centenas, senão milhares, de gabinetes pela Europa, neste período, mantidos por príncipes ou casas reais, humanistas, artistas ou ricos burgueses; elementos representantes da cultura erudita interessada em conhecer e colecionar o mundo que os cercava. Também denominados de quarto das maravilhas, nesses espaços a elite mantinha em segurança suas coleções privadas, eram maioritariamente pertencentes à nobreza. Guardavam múltiplas categorias de diversos objetos, tecnicamente avançados e procedentes da exploração de novas terras. Podiam exibir uma grande variedade de objetos e artefatos, com uma inclinação especial para o raro, eclético e esotérico. Podemos mencionar, dentre estes, alguns dos mais conhecidos, o Gabinete dos Médicis em Florença, as coleções do imperador Rodolpho (1576-1612), em Praga, a coleção do arquiduque Ferdinando, no castelo de Ambras, em Viena, e a Câmara de Curiosidades do duque Alberto V, da Baviera.
A ausência de informações sobre sua originalidade e procedência os tornavam almejados e fascinantes. Com o passar dos anos, essas coleções foram postas sob fases de organização, pois passaram a carregar a responsabilidade de ser bases estudos para a pesquisa e ciência. Quanto maior a coleção e mais exóticos os objetos, maior o prestígio que determinada coleção adquiria. Os objetos de cultura material, provenientes do Novo Mundo, ganham um novo sentido, são curiosidades de um mundo que acaba de ser descoberto. “As expedições que voltam dos países longínquos trazem, com efeito, não só mercadorias altamente vantajosas mas também todo um novo saber, e novos semióforos: tecidos, ourivesarias, porcelanas, fatos de plumas, ídolos, fetiches, exemplares da flora e da fauna, conchas, pedras afluem assim aos gabinetes dos príncipes e aos dos sábios. Todos esses objetos, qualquer que fosse o seu estatuto original, tomam-se na Europa semióforos, porque recolhidos não pelo seu valor de uso mas por causa de seu significado, como representantes do invisível: países exóticos, sociedades diferentes, outros climas.’’(Pomian, 1985:77).
Todavia, mesmo possuindo coleções que hoje realmente nos parecem tão diversas e fragmentadas, o gabinete de curiosidades representa todo um universo, constitui um microcosmos reunido em uma única sala, possui, assim, a totalidade, a universalidade almejada na época, segundo a visão de mundo específica do contexto europeu dos séculos XVI e XVII. Deste modo, os objetos etnográficos, assim como outros dentro do gabinete, são representantes do universo que se deseja conhecer, possuir, apresentam o que não se pode ver, o que está distante. €‹ €‹