02/02/2021 até 30/05/2021
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Classificação Livre
Descrição
Muito além das aparências: a imagem crítica de Pedro Meyer
Helouise Costa
Curadora
Na condição de fotógrafo e agente cultural, o nome de Pedro Meyer está indissociavelmente ligado às primeiras tentativas, realizadas entre as décadas de 1970 e 1980, de se estabelecer uma identidade para a fotografia produzida na América Latina. Meyer foi um dos idealizadores do Conselho Mexicano de Fotografia, fundado oficialmente em 1978, e atuou como seu primeiro presidente. Esteve também envolvido na organização dos já lendários Colóquios Latino-Americanos de Fotografia, cuja segunda edição, em 1981, lançou a seguinte pergunta: “O que é e o que pode vir a ser a fotografia social latino-americana? ”. Naquela ocasião, Pedro Meyer defendia a mobilização dos fotógrafos em prol de uma produção documental comprometida com a denúncia da exploração econômica e da opressão política a que estavam submetidas as populações locais em diferentes países do continente americano.
Tal princípio orientou a prática fotográfica de Pedro Meyer durante muitos anos. A virada da década de 1980, no entanto, lhe imporia novos desafios. O surgimento das tecnologias digitais e a nova situação política da América Latina, com o fim das ditaduras, contribuíram para o questionamento dos pressupostos e da função social da fotografia documental engajada. Diante disso, Meyer passou a questionar a documentação fotográfica por meio de experimentações, fazendo uso de recortes, montagens, inserção ou supressão de elementos, alterações cromáticas, entre outros recursos.
Como nos lembra Joan Fontcuberta toda fotografia é uma manipulação. Enquadrar é uma manipulação, escolher o momento da tomada é uma manipulação, assim como as diversas escolhas inerentes ao ato fotográfico também o são. Desse modo, o que nos deve fazer refletir não é a manipulação em si, mas os usos a que se destinam. No caso de Pedro Meyer a liberdade oferecida pelas tecnologias digitais intensificou a dimensão subjetiva de sua produção, permitindo-lhe ir muito além das aparências do mundo visível. O resultado é uma resposta atualizada à pergunta que guiou sua produção fotográfica na década de 1980. Trata-se de uma aposta renovada na contundência crítica das imagens que incorpora a ficção para explicitar as contradições da contemporaneidade.
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Pedro Meyer no acervo do MAC USP: o projeto Heresias
Em 2008, o mexicano Pedro Meyer concebeu o projeto Heresias para comemorar quatro décadas de suas atividades como fotógrafo. A ideia era realizar uma retrospectiva que fugisse dos moldes tradicionais e incorporasse as possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais no trabalho curatorial. Para tanto, Meyer convidou dez curadores de diferentes países (México, Cuba, Estados Unidos e Inglaterra) para realizarem uma pré-seleção de imagens entre as cerca de 250.000 disponíveis em seu arquivo virtual. A partir do conjunto assim constituído, com um total de 10.000 imagens, Pedro Meyer abriu uma chamada pública internacional para as instituições que quisessem aderir ao projeto e apresentar um recorte curatorial de sua obra em suas respectivas sedes. Ao todo 65 instituições ao redor do mundo responderam ao desafio, entre as quais o MAC USP. Na época essa estratégia propiciou um novo modo de conceber a curadoria, não mais pensada como um trabalho autoral isolado, mas como uma atividade compartilhada e interativa, na medida em que cada curador trabalhou diretamente no banco de dados virtual, em contato com os demais.
Como resultado, no mês de outubro de 2008, cada uma das instituições museológicas participantes inaugurou a sua própria versão de Heresias: uma retrospectiva de Pedro Meyer. As “heresias” do título referiam-se aos questionamentos dos dogmas da fotografia documental que caracterizam a produção de Meyer desde o final da década de 1980. Além das exposições, o projeto envolveu a produção de um livro, um audiovisual e atividades educativas, sem contar as ações específicas organizadas junto às mostras. No MAC USP, a seleção ficou sob a responsabilidade de Helouise Costa, curadora que investiga as relações entre arte e fotografia no museu. Foram selecionadas 40 imagens que ao final da exposição passaram a integrar o acervo do MAC USP. A mostra atual, Muito além das aparências: a imagem crítica de Pedro Meyer, reúne 27 obras desse conjunto, apresentadas pela primeira vez nesta sede.
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Far beyond appearances: Pedro Meyer’s critical image
Helouise Costa, Curator
As a photographer and cultural agent, the name Pedro Meyer is inextricably linked to the first attempts to establish an identity for the photography produced in Latin America between the 1970s and 1980s. Meyer was one of the founders of the Mexican Council of Photography, officially founded in 1978, and its first president. He was also involved in the organization of the already legendary Latin American Photography Colloquia, whose second edition, in 1981, posed the following question: “What is Latin American social photography and what could it be like?”. At that time, Pedro Meyer defended the organization of photographers in favor of a documentary production committed to denouncing the economic exploitation and political oppression faced by the local populations of different countries of the American continent.
This principle guided Pedro Meyer’s photographic practice for many years. The turn of the 1980s, however, would impose new challenges. The emergence of digital technologies and the new political situation in Latin America – with the end of dictatorships – contributed to the questioning of the assumptions and social function of engaged documentary photography. Meyer thus started to question photographic documentation through experiments, using cutouts, montages, insertion or suppression of elements, chromatic changes, among other resources.
As Joan Fontcuberta reminds us, every photograph is a manipulation. Framing is a manipulation, choosing the moment of shooting is a manipulation, as are all the various choices inherent to the photographic act. Thus, what should make us reflect is not manipulation itself, but the uses assigned to it. In the case of Pedro Meyer, the freedom offered by digital technologies intensified the subjective dimension of his production, allowing him to go far beyond the appearances of the visible world. The result is an updated answer to the question that guided his photographic production in the 1980s; a renewed commitment to the critical strength of images that incorporates fiction to explain the contradictions of contemporaneity.
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Pedro Meyer in the MAC USP collection: the Heresies project
In 2008, Mexican photographer Pedro Meyer conceived the Heresies project to celebrate four decades of his activities in such profession. The idea was to carry out a retrospective that escaped the traditional molds and incorporated the possibilities offered by digital technologies in curatorial work. For such, Meyer invited ten curators from different countries (Mexico, Cuba, United States and England) to make a pre-selection of images among the approximately 250,000 images available in his virtual archive. With a set composed of 10,000 images, Pedro Meyer opened an international public call for institutions that wanted to join the project and present a curatorial outline of his work at their respective units. In total, 65 institutions around the world answered the challenge, including MAC USP. At the time, this strategy provided a new way of conceiving curation, no longer thought of as an isolated authorial work but as a shared and interactive activity, as each curator worked directly on the virtual database, engaging with the others.
As a result, in October 2008, each of the participating museological institutions inaugurated their own version of Heresies: a retrospective by Pedro Meyer. The title's “heresies” referred to questions about the tenets of documentary photography that have characterized Meyer’s production since the late 1980s. In addition to the exhibitions, the project involved the production of a book, an audiovisual piece and educational activities, not to mention the specific actions organized alongside the exhibitions. At MAC USP, the selection was under the responsibility of Helouise Costa, a curator who investigates the relationship between art and photography at the museum. At the end of the exhibition, 40 images were selected and became part of the MAC USP collection. The current exhibition – Far beyond appearances: the critical image of Pedro Meyer – gathers 27 works from this set, which are presented for the first time at MAC USP’s current host building.